De tudo que a terra dá ao que por fim a terra come, da raiz mais fincada no chão ao salto mais alto no ar. Da senhora de 96 anos que de cócoras lava sua louça ao menino que com uma folha de caderno lança-se ao vento com sua bicuda. Do tanto que vim aprender nessa terra e que dialoga com o que vivo na Casa Mestre Ananias, que une os mais velhos aos mais novos no encantamento da cultura do Recôncavo Baiano.
Acostumada a ter na Bahia o olhar sempre voltado para os mais velhos, fui convidada a me aventurar no Território do Brincar (saiba mais). Projeto que busca mergulhar em alguns pedaços escolhidos do Brasil, mapeando os saberes e fazeres da cultura infantil. Trazendo na mala a experiência da Casa, parti para o Recôncavo, juntando os objetivos do projeto com a vontade de trazer para a Casa Mestre Ananias um panorama das brincadeiras e do contexto cultural da segunda região visitada.
Acupe quer dizer "Terra Quente", mas nos ventos de agosto a brisa refresca e ajuda a levantar os periquitos, arraias, morcegos e pipas que a criançada constrói. Balança a maré que carrega os barquinhos, de cortiça e tamanca, que mão habilidosas inventam. Abranda o calor dentro da roupa da careta, seja ela de palha ou de borracha, que corre atrás de quem com uma varinha na mão provoca: "venha careta!" As de palha circulam pela cidade - um pouco pássaros, um pouco seres mitológicos - assustando as crianças e os mais velhos.
Érika, Renessa, Luane e Bia brincam de elástico em Acupe |
Acostumada a ter na Bahia o olhar sempre voltado para os mais velhos, fui convidada a me aventurar no Território do Brincar (saiba mais). Projeto que busca mergulhar em alguns pedaços escolhidos do Brasil, mapeando os saberes e fazeres da cultura infantil. Trazendo na mala a experiência da Casa, parti para o Recôncavo, juntando os objetivos do projeto com a vontade de trazer para a Casa Mestre Ananias um panorama das brincadeiras e do contexto cultural da segunda região visitada.
Acupe quer dizer "Terra Quente", mas nos ventos de agosto a brisa refresca e ajuda a levantar os periquitos, arraias, morcegos e pipas que a criançada constrói. Balança a maré que carrega os barquinhos, de cortiça e tamanca, que mão habilidosas inventam. Abranda o calor dentro da roupa da careta, seja ela de palha ou de borracha, que corre atrás de quem com uma varinha na mão provoca: "venha careta!" As de palha circulam pela cidade - um pouco pássaros, um pouco seres mitológicos - assustando as crianças e os mais velhos.
O Nego Fugido é um capítulo a parte - de tão intenso, é difícil explicar. Melhor correr para Acupe em julho para deixar que todos os sentidos sejam invadidos pelo chacoalhar das saias de palha de bananeira dos caçadores, pela entrega das "negas" cobertas de óleo e carvão e pelo toque do atabaque e pelo canto que conduzem a narrativa da história desses escravos, história de força e resistência passada de geração em geração.
Do mais novo ao mais velho, muitos participantes do Nego Fugido são também Capoeiras: negas, caçadores e responsáveis pela música. A Capoeira em Acupe é herdeira de Mestre Adó. Paulinho Caiçara é responsável pelo trabalho com um grupo formado por crianças, jovens e adultos.
O povo da Capoeira, que me fez sentir em casa desde o princípio |
Somado a tudo isso, o mistério do samba, fonte que nunca seca. O pé que pisa no chão marcando o samba é o mesmo que pisa na lama do mangue, a mão que segura a saia é a mesma que cata o siri, o corpo que desliza é o mesmo que desde cedo aprendeu os segredos da terra. O coração que conduz o passo é o mesmo que ilumina o sorriso que - quase - não se fecha, desenhando no chão a conversa com a viola.
Valdomira, D. Maninha, Zilda, Elsinho, Santinha e Dalvinha viúva de Valentim da Burrinha |
O gesto das antigas sambadeiras, como entram na roda, seu percurso e sua expressão trazem a memória dos sambas antigos, seus motivos e modos de fazer. Assim como o tempo, o samba mudou e com ele o jeito de festejar, preparar a festa e receber quem vem. Viver o samba com os antigos é abrir a porta para um mundo precioso e profundo que ainda vive dentro de nós. Abençoada seja Acupe, terra de gente forte e generosa.
A Burrinha de Mestre Valentin (em memória) - Acervo de Dona Dalvinha |
Fe Guimarães (8ª)
3 comentários:
Que beleza de texto e de vivências, Fernanda! Suas palaras e imagens nos levam a uma viagem de quase sentir um pouquinho de Acupe e de ter a forte vontade de conhecer mais essas terras e pessoas de perto, sentindo os calores, cheiros e sons!
Um grande abraço!
Danilo
Nossa Fê que inspiração...logo se vê que só vivenciando para descrever com poesia o que parece só sofrimento, ser superado com alegria.
Como disse o Danilo, palavras que nos inspiram a conhecer de perto essas pessoas e lugares.
Parabéns!!!
Beijos
Flá
Todas as vivencias quedam sempre em nossa memória e é muito legal que você possa transmitir tudo num texto que chega aos corações das pessoas.
Eu vou levá-lo para onde dou aulas nas academias em sp para minhas alunas.
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